Nomes do Mato - Centro Cultural Melchíades Cardoso [Miracema/RJ, 2019]

by - junho 08, 2020



Nomes do Mato - Raul Leal

“Nomes do mato” faz referência aos nomes que os indígenas eram obrigados a abandonar quando eram batizados. Esses mesmos indígenas que perdiam seus nomes de família, sua referência como seres humanos no mundo, foram responsáveis por nos deixar a maior parte dos nomes das plantas e animais existentes no Brasil, nossa toponímia também é quase toda de origem indígena. Ao qualificar esses nomes indígenas como nomes do mato, fica bem claro o caráter pejorativo que sempre foi associado a tudo que era proveniente de nossas matas, basta lembrar que alguns anos atrás, plantas como bromélias, certas orquídeas e bananeiras decorativas eram vistas como plantas do mato, coisas sem valor. Hoje em dia essas espécies movimentam um próspero mercado de plantas decorativas que são exportadas para todo o mundo. Quando se vai remover a mata de alguma propriedade diz-se que a área vai ser limpa, como se a floresta fosse sinônimo de sujeira. 

Beija flor | Técnica mista s/ madeira | 80x80cm (2019)

Nessa exposição os “Nomes do mato” são animais e plantas que ainda resistem em nossas matas, lutando para sobreviver em meio aos ataques sofridos pelo meio ambiente, através dos anos. Essa série de trabalhos teve início quando decidi utilizar a paisagem do interior como referência. Comecei a fotografar o interior do estado do Rio e me deparei com uma situação estranha, havia muita seca, muitas árvores mortas e muito pouca mata nativa. Comecei a pesquisar sobre o assunto e descobri que o Norte - Noroeste fluminense, parte de Minas e Espírito Santo estão vivendo um processo de desertificação.  

Antigas lágrimas || Técnica mista s/ madeira | 80x100cm (2019)

Desertificação é a degradação da terra por uma combinação de fatores climáticos e humanos. São três fatores que se conjugam neste processo, o primeiro é o desmatamento, o interior do estado do Rio originalmente possuía 100% de mata atlântica nativa, a mata virgem dos nossos avós, com o desmatamento para lavoura de café, criação de pasto e comércio de madeira chegamos a inacreditáveis 10% da mata original. Segundo as pesquisas a mata atlântica é um ecossistema que começou a se formar há 500 milhões de anos, em menos de cem anos nós conseguimos destruir 90% dessas matas que estavam aqui muito antes dos índios. 

O peso do seu pensamento  | Técnica mista s/ madeira | 80x60cm (2019)

O segundo fator que vem atrelado ao desmatamento são as queimadas que acabam com o resto de nutrientes da terra. O terceiro é o manejo equivocado do solo, a terra precisa da mata para ter uma reserva de matéria orgânica e se tornar produtiva, sem esse adubo natural que vem da decomposição de folhas e troncos, nem capim consegue vegetar na terra vermelha que se torna árida.

Borboleta  | Técnica mista s/ madeira | 80x80cm (2019)

Coruja | Técnica mista s/ madeira | 80x80cm (2019)

Mas o que tem isso a ver com arte? Os trabalhos que eu estou apresentando aqui foram realizados a partir da observação da nossa paisagem e dessas modificações. Utilizei madeira, terra e fogo para trabalhar com imagens de animais e plantas que ainda resistem nesses restos de mata, são animais que fazem parte da memória de todos nós.

Dormente Técnica mista s/ madeira | 80x100cm (2019)

Mostro também um conjunto de fotografias e aquarelas que apresentam áreas devastadas e pequenas plantas que sobrevivem nesses clarões de terra vermelha e três pares de desenhos em grafite onde contraponho uma espécie de negativo/positivo de animais, baseados nos desenhos dos artistas viajantes que andavam pelo interior catalogando nossa riqueza natural. Os nomes do mato são a nossa riqueza, o verde ocupa a maior parte da nossa bandeira, esse verde que precisa tanto ser cuidado e preservado por ser fonte de tudo que nós conhecemos como Brasil.  

Raul Leal, 2019


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